domingo, 25 de julho de 2010

Carta aos Desejos

Hoje escrevo esta carta para recordar sobre desejos adormecidos.
Quando criança, desejei ser grande, hoje peço para ser criança.
Desejei a sua vida, junto da minha.
Desejei uma linda boneca que semanas depois seria trocada por bolas de gude.
Desejei que a chuva parasse e também mandei que ela caísse.
Desejei a felicidade, quando ela não me cabia.
Desejei que toda aquela doença se fosse.
Desejei que a injeção de  penicilina não doesse tanto.
Desejei sentir a dor que a minha mamãe sentia.
Desejei cair, propositalmente.
Desejei aquela bela voz aveludada, cantando para mim todas as tardes de quarta-feira.
Desejei não ter visto aquela cena.
Desejei a morte.
Desejei uma morte.
Desejei desafetos e discórdias.
Desejei que o chão se abrisse e a terra me engolisse, pois pronunciei aquela simples palavra de forma errada.
Desejei fadas, o céu e asas.
Desejei amizades verdadeiras quanto tinha certeza que seria deixada.
Desejei um sorriso.
Desejei ter o meu abraço de volta.
Desejei mudar.
Desejei ventanias e brisas.
Desejei o dom de pintar.
Desejei um homem.
Desejei a vida para quem já havia se despedido dela.
Desejei sabedoria.
Desejei que o dinheiro viesse até mim.
Desejei que elas se odiassem e que eles nunca tivessem se conhecido.
Desejei ver de novo aqueles olhos castanhos, olheiras leves e um sol a refletir.
Desejei cabelos longos e lisos.
Desejei alguns cachos.
Desejei a tarefa feita e boas notas.
Desejei a música, a arte de tocar violão.
Desejei que toda a minha timidez me deixasse.
Desejei ter os olhos cor do céu.
Desejei uma irmã.
Desejei uma mulher.
Desejei um novo futuro.
Desejei reviver algo passado.
Desejei um banho quente quando deveria desejar colo de um amigo.
Desejei conversar com adulto quando deveria ter conversado com crianças da minha idade.
Desejei amadurecer logo.
Desejei o fim de longas noites em que os meus lençóis abafavam gritos de desespero.
Desejei que o céu caísse sobre nossas cabeças.
Desejei que um raio o desintegrasse.
Desejei não ter desejado tanto.
Desejei que minha vida fosse a dela.
Desejei nunca ser deixada.
Desejei não demonstrar ciúmes e não ser possessiva.
Desejei lágrimas em momentos de alegria.
Desejei que tal objeto fosse meu.
Desejei que não houvesse vinda sem a minha vida.
Desejei ser a menina daqueles olhos tristes.
Desejei ir a Lua.
Desejei o que não deveria.


Esta é uma carta sem remetente e sem destinatário.
São apenas palavras que não fazem sentido algum para alguém que não desejou o que eu desejei, como desejei.

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